A FabNS (Fábrica de Nanossoluções) está perto de protagonizar um marco na ciência brasileira - e na soberania nacional. Historicamente dependente de tecnologia estrangeira, o Brasil fará, pela primeira vez, o caminho inverso: exportar instrumento científico de ponta, de alto valor agregado, de espectroscopia óptica de campo próximo.
E mais: para a Alemanha, um centro de referência em instrumentação científica.
Trata-se do nanoscópio Porto, desenvolvido pela mineira FabNS, sediada no BH-TEC e formada por egressos da UFMG. Segundo o CTO da empresa, Cassiano Rabelo, "o equipamento conta com um diferencial único de qualidade em todo o mundo: uma nanoantena capaz de gerar resultados sem precedentes".
"Esses resultados podem auxiliar a desenvolver avanços disruptivos em nanotecnologia. A exportação dessa tecnologia rompe com o histórico de importações de alto valor de instrumentos científicos e o Brasil passa agora a exportar", resume o CCO da FabNS, Taiguara Tupinambás.
"Esse momento é o ápice de uma rota de quase 20 anos de desenvolvimento tecnológico. Demonstra que a gente consegue, no ecossistema local, na UFMG, interagindo com BH-TEC e outros parceiros, produzir uma tecnologia sem paralelo global", reforça o CEO da FabNS, Hudson Miranda, ao lembrar da importância dos avanços conquistados no LabNS, o Laboratório de Nano-Espectroscopia da UFMG.
O equipamento já está no Aeroporto de Confins e vai iniciar o trajeto rumo à Universidade Humboldt de Berlim, na Alemanha, nesta quarta-feira (8). Posteriormente, tão logo os trâmites burocráticos sejam superados, os pesquisadores da FabNS viajam ao país europeu para montar o nanoscópio.
O Porto
A exportação fecha, portanto, um ciclo iniciado ainda em 2005, quando foram obtidos os primeiros resultados das pesquisas que dariam vida ao Porto, como foi batizado o nanoscópio desenvolvido pela FabNS. Após anos de avanços no LabNS, o Laboratório de Nanoespectroscopia do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (ICEx) da UFMG, a empresa foi criada em 2020 e estabeleceu-se no BH-TEC em 2022.
A tecnologia é capaz de revelar imagens na escala de um nanômetro (medida 1 bilhão de vezes menor que o metro) e, com isso, propõe auxiliar os estudos de composições dos elementos como a do grafeno - material extremamente flexível e supercondutor -, utilizado em indústrias automobilísticas, produção de eletrônicos e até mesmo em processos de dessalinização da água.
Todo este potencial tecnológico traz consigo desafios de produção importantes. “O ecossistema local foi fundamental para a viabilidade da produção do Porto. Além do apoio do BH-TEC e dos parceiros acadêmicos, a FabNS pôde contar com empresas de grande porte como a Jabil, nossa vizinha aqui em Minas Gerais, para realização do projeto", explica Cassiano Rabelo, antes de complementar:
"A empresa se mostrou uma solução eficaz para a produção das mais de 10 placas de circuito eletrônico que compoem o Porto. A operação envolveu tanto a aquisição dos mais de 2 mil componentes eletrônicos necessários, como a montagem destas placas”.
Durante um congresso internacional, um grupo de pesquisa do laboratório de física de novos materiais da Universidade de Humboldt soube da tecnologia que estava sendo desenvolvida e logo ficou interessado. A negociação foi feita com o líder do grupo, Sebastian Heeg, professor daquela unidade de ensino.
"Essa operação cria um diferencial tecnológico muito importante, ainda mais pelo fato de estar sendo exportado para a Alemanha, que é uma referência mundial em instrumentação científica nessa área de caracterização de materiais", reforça o CEO da FabNS, Hudson Miranda.
Coleção de feitos
A exportação do nanoscópio é mais um feito para o rol da FabNS. Em 2021, o grupo estampou a capa da Nature, uma das principais revistas científicas de todo o planeta.
“A pesquisa que resultou no artigo publicado na Nature foi muito importante e mostrou a eficiência do nanoscópio. O Porto foi o primeiro nanoscópio que produzimos, utilizando nanoantenas óticas patenteadas por nós e que são o grande diferencial do nosso produto”, afirmou o pesquisador Cassiano Rabelo, um dos sócios-fundadores da FabNS, à UFMG.
A disruptiva exportação entusiasma até mesmo a Embaixada do Brasil em Berlim, que busca fazer uma ação envolvendo o governo federal para exaltar o marco.
Na caixa que sai do Aeroporto de Confins nesta quarta-feira (8) rumo a Berlim estão:
Gabinete do nanoscópio, de aproximadamente 2,25m x 0,95m x 0,95m
Componentes eletrônicos: 13 placas eletrônicas, com mais de 2.000 componentes, projetados e desenvolvidos pela FabNS
Sistema de varredura de sonda
Caixas com as nanoantenas
Futuro promissor
Além do marco proporcionado pela FabNS, outro residente do BH-TEC, o CTVacinas (Centro de Tecnologia de Vacinas), também tem superado obstáculos históricos em prol da soberania nacional. O centro é responsável pela primeira vacina 100% nacional a chegar aos testes em humanos, a SpiN-TEC.
O Brasil, enfim, está conseguindo se estabelecer como um exportador de ciência de ponta?
"A gente enxerga um bom horizonte para o futuro, com movimentos governamentais para permitir que empresas tenham produtos intensivos em capital intelectual para criar esse diferencial. Tem evoluído muito rapidamente: o cenário hoje é totalmente diferente do de 2016, quando começamos a pensar na FabNS", diz Hudson Miranda.
Além de consolidar o país como exportador, a FabNS também almeja fomentar o mercado nacional. "Isso é muito importante pra gente: criar essa base instalada aqui para desenvolver ciência de ponta, oferecer nível de manutenção que seja muito mais apreciável pelos pesquisadores, pela proximidade", reforça.
A FabNS tem quatro sócios: o pesquisador Cassiano Rabelo, o engenheiro Hudson Miranda, o físico e servidor do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) Thiago Vasconcelos e o engenheiro Taiguara Tupinambás. Os professores Ado Jorio de Vasconcelos e Luiz Gustavo Cançado, ambos do Departamento de Física do ICEx, atuam como conselheiros no projeto.
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