CTVacinas recebeu 'sementes' da vacina: veja o que isso quer dizer | Crédito: Raphaella Dias/MCTI
Por Virgínia Muniz
Em época de eleições presidenciais, Copa do Mundo e pandemia de COVID-19, a varíola do macaco até fica em segundo plano no noticiário. Mas isso não significa que a doença, cuja variação humana foi erradicada em 1980, não represente perigo: são mais de 350 casos confirmados em Minas, outros 1.034 em investigação - e, infelizmente, um homem de 41 anos morto.
Fonte: SES-MG | Obs: os boletins não são divulgados diariamente
A notícia alentadora é que a proteção para a doença está sendo desenvolvida aqui, no BH-TEC! Isso mesmo: o Centro Tecnológico em Vacinas (CTVacinas) da UFMG, residente no Parque, recebeu a 'semente' da vacina da varíola do macaco - aliás, o termo correto, segundo especialistas e pesquisadores, é Monkeypox e, por isso, vamos adotá-lo, combinado?!
Mas o que isso quer dizer? E qual perigo a Monkeypox representa? Quais particularidades?
Vamos responder tudo isso!
A vacina - e o vírus
Para falar sobre a vacina, precisamos, antes, abordar o vírus causador da doença. Trata-se do gênero Orthopoxvirus, pertencente à família Poxviridae: a mesma do vírus que causou a varíola humana, que, como já citamos, foi erradicada há décadas através da vacinação.
Essa mesma vacina que conseguiu eliminar a varíola humana na década de 1980 é a que vai proteger a população da Monkeypox agora, em 2022. Como é possível?
“Isso acontece porque, dentro dessa família de vírus, há um fenômeno que a gente chama de proteção cruzada. Ou seja, a infecção por um vírus acaba protegendo - ou gera imunidade contra outros vírus - porque eles são muito parecidos. São todos 'primos', para efeito de ilustração”, explica Flávio Guimarães da Fonseca, integrante do Comitê gestor e científico do CTVacinas.
Mas a pessoa vacinada será infectada pelo vírus? Não é perigoso? Nada disso.
“Esse vírus foi, inclusive, atenuado através de passagem em um embrião de galinha e perdeu completamente a capacidade de se multiplicar no hospedeiro humano - ele só se replica em células de aves. É capaz de entrar no nosso corpo e infectar as células, produzir as proteínas (o que o torna um imunogênico), mas não fecha o ciclo de replicação", explica Flávio, também pesquisador e professor da UFMG.
CTVacinas desenvolve 'semente' de vacina | Crédito: Douglas Magno/CTVacinas
"Por isso, é considerado extremamente seguro, e tem poucos efeitos adversos relacionados a ele”, conclui, para afastar qualquer dúvida.
Aliás, você ou algum familiar ou conhecido se imunizou de forma semelhante recentemente.
“Um caso parecido é a vacina Astrazeneca, para a proteção contra o SARS-CoV-2, o vírus da Covid-19. O imunizante usa um vetor adenoviral, mas o adenovírus não consegue se multiplicar na gente, apenas expressa as proteínas e morre. Essa linhagem no vaccinia (VAVC) é a mesma coisa. Essa foi a estratégia usada na imunização com o vírus vaccinia contra a varíola humana, e que também gera proteção contra a varíola dos macacos”, esclarece o professor da UFMG.
Mas o que é vaccinia?
De acordo com a Agência Fiocruz de Notícias, o vírus vaccinia é uma espécie diferente, porém estreitamente relacionado ao vírus da varíola (ambos pertencem à mesma família). Ele foi utilizado na campanha de erradicação da varíola humana, pois é capaz de gerar uma resposta imune protetora contra a infecção pelo vírus varíola.
Imunizante nacional
E o que está sendo desenvolvido aqui em BH, pelo CTVacinas?
“O que nós recebemos foi uma 'semente'. O que é essa 'semente'? É um pouquinho do vírus, uma quantidade muito pequena que não daria para fazer doses vacinais para uma campanha. Mas já seria produzida em condições de boas práticas de fabricação, que são exigidas para qualquer vacina a ser utilizada em seres humanos”, explica Flávio da Fonseca.
"Tivemos que trazer o lote de sementes dos Estados Unidos, pois não tínhamos nenhum estoque de vacina da varíola no país para que pudéssemos replicá-la. A chegada dos frascos da vacina de terceira geração possibilita a produção nacional do imunizante da varíola que também previne a Monkeypox", explica o pesquisador, em entrevista à UFMG.
E agora? O que o CTVacinas vai fazer?
“Acontece que essa semente precisa ser expandida em termos de quantidade. Quando a gente termina de expandir em quantidade e desenha os processos otimizados para multiplicação desse vírus, vamos passar essa semente amplificada para um fábrica de produção”, contextualiza Flávio da Fonseca.
O CTVacinas não é uma fábrica, é um instituto de ciência aplicada.
“Essa receita de amplificação será passada para uma fábrica, pois as fábricas não têm essa expertise de expansão que o CTVacinas têm, no caso dessa semente que recebemos. Neste caso, a receita será encaminhada para o Bio-Manguinhos”, conta o pesquisador.
Receita de expansão será desenvolvida pelo CTVacinas | Crédito: Douglas Magno/CTVacinas
Bio-Manguinhos é a abreviação do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) responsável por pesquisa, inovação, desenvolvimento tecnológico e pela produção de vacinas, kits para diagnóstico e biofármacos voltados para atender prioritariamente às demandas da saúde pública nacional. Ele quem garante a autossuficiência em vacinas essenciais para o calendário básico de imunização do Ministério da Saúde (MS).
Segundo a UFMG, com a chegada do lote de sementes, a previsão é que o Brasil consiga fabricar massivamente a vacina em no máximo seis meses. De acordo com recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), a produção poderá ser destinada inicialmente a grupos de risco, como os profissionais da saúde que lidam com pessoas contaminadas pelo vírus.
E até a vacina ser produzida em larga escala?
Segundo o boletim mais recente da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), divulgado nessa terça (13), Belo Horizonte é, de longe, a cidade onde mais casos da Monkeypox foram registrados: 264. Na sequência, aparecem Uberlândia (33) e Pouso Alegre (10).
Boletim da SES-MG divulgado na terça-feira (13)
A doença tem um potencial da COVID? Quais as particularidades?
“A COVID é causada por um vírus que se dissemina amplamente através de microgotículas (aerossóis) de saliva ou secreção respiratória. Ou seja, uma pessoa que tosse ou espirra pode infectar outra pessoa que está a 50 metros de distância dela", contextualiza Flávio da Fonseca.
"Já o vírus da Monkeypox pode se disseminar por gotículas de saliva, mas são gotículas, chamadas de perdigotos, que têm um alcance muito inferior ao aerossol, podendo contaminar em até três metros”, pontua o pesquisador.
“Além disso, a principal fonte de transmissão do vírus não é a respiratória, é o contato pele a pele. Então ele é mais difícil de ser transmitido do que o vírus SARS-CoV-2, o que indica que ele não tem o mesmo potencial pandêmico da COVID", afirma.
Mas devemos sim nos preocupar. É uma doença que pode levar a óbito como já temos casos no Brasil e dezenas no mundo”, alerta o pesquisador.
Além da vacina, existem formas de tratar a Monkeypox?
“Já existem sim medicamentos aprovados. O que acontece é que eles são produzidos em quantidade muito pequena e, para casos específicos, ninguém imaginou que teríamos um surto global de varíola. Só não encontramos em farmácias devido a essa baixa produção, mas existem”, finaliza Flávio da Fonseca.
Portanto, fique atento e se cuide! Os principais sintomas são lesões na pele, como erupções e manchas; febre; dor de cabeça; aumento de ínguas em partes do corpo; dores musculares e fraqueza. Em caso de início súbito de febre e, principalmente, lesões na pele, procure um serviço de saúde para avaliação!
Outras informações da SES-MG podem ser acessadas AQUI.
Que matéria bem escrita! Achei super didático! Informações importantes passadas com muita clareza!